segunda-feira, 31 de março de 2008


Pesquisadores defendem suposta descoberta da dengue tipo 4 em Manaus

Uma controvérsia científica e de saúde pública se instaurou em torno da possível identificação do vírus tipo 4 da dengue em pacientes de Manaus. Depois de classificar como "prematura" e "equivocada" a publicação do artigo científico descrevendo o achado, o Ministério da Saúde declarou que nenhuma das amostras de Manaus (quando elas foram testadas de novo) deu positivo para a dengue tipo 4. Pesquisadores independentes, no entanto, avaliam que o estudo original é sólido, e seus autores dizem não acreditar que erraram.

Conforme revelado nesta quinta (27), anticorpos e material genético do chamado DENV-4, um dos quatro tipos da doença viral, foram achados em pacientes de Manaus. Seria a primeira vez desde 1982 que essa forma da doença -- endêmica em países vizinhos, como Colômbia e Venezuela -- chega ao Brasil. Em artigo na revista científica "Emerging Infectious Diseases", a equipe encabeçada por Regina Maria Pinto de Figueiredo, da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, descreve os achados e suas possíveis implicações para a saúde pública do Brasil.

O DENV-4, por si só, não é a forma mais agressiva do vírus, estando raramente associado à dengue hemorrágica. No entanto, a presença de mais um subtipo do causador da doença eleva o risco de que pessoas que já tiveram a doença sejam reinfectadas (a imunidade contra a dengue só ocorre dentro de cada subtipo da moléstia). E mais reinfecções significam mais chances de dengue hemorrágica na "segunda temporada" da doença.

Contestação

Em nota oficial divulgada nesta sexta (28), o Ministério da Saúde apresenta uma contestação detalhada da presença do DENV-4 no país, dizendo que "não há evidência concreta" dela. O ministério afirma ter sido notificado em outubro do ano passado a respeito da presença do vírus, informação que veio da própria Fundação de Medicina Tropical do Amazonas.

Além dos três casos relatados nas páginas da "Emerging Infectious Diseases", outros 11 pacientes examinados pela fundação amazonense teriam dado positivo para o vírus na primeira análise. Das 14 amostras no total, nove teriam sido examinadas de novo pelo Instituto Evandro Chagas, do Pará, e pela Fundação Oswaldo Cruz -- laboratórios ditos de referência para a área. Nessa segunda rodada, diz o ministério, três amostras deram negativo e outras seis deram positivo para o DENV-3 -- já comum em Manaus --, mas não para o DENV-4. A mesma metodologia usada pela equipe do Amazonas teria sido utilizada nessa segunda análise.

Mais tarde, de acordo com o ministério, uma nova investigação, envolvendo 34 pacientes manauaras, foi realizada, tendo sido encontrados apenas vírus do tipo 2 e 3. O Ministério da Saúde também argumenta que, se a dengue tipo 4 realmente estivesse presente no Amazonas, ela seria a forma predominante do vírus, uma vez que as pessoas da região ainda não possuem imunidade a ela.

Defesa

Regina Pinto de Figueiredo reconhece a excelência dos laboratórios que fizeram a contraprova, mas diz acreditar que seus dados são válidos. "Fomos até o último estágio com a nossa análise. Uma revista do porte da que publicou o nosso artigo, editada pelo CDC [Centro de Controle e Prevenção de Doenças, dos Estados Unidos], não questionou o nosso trabalho."


Figueiredo aponta um problema de transporte que poderia ter influenciado nos resultados: "As amostras deveriam ter chegado lá preservadas em gelo seco, mas não foi o que aconteceu", diz -- quando chegaram aos laboratórios de destino, as amostras virais estavam em temperatura ambiente. Ao mesmo tempo, os próprios pesquisadores de Manaus haviam achado o DENV-3 convivendo com o DENV-4 em uma das três amostras estudadas inicialmente.


Segundo Pedro Fernando Vasconcelos, especialista do Instituto Evandro Chagas que participou da segunda análise, as amostras de fato "chegaram frias, mas sem o estado ideal de preservação, e as tentativas de isolamento viral poderiam, de fato, ser prejudicadas. Mas não alterariam os resultados das investigações que se mostraram negativas para DENV-4".


"O trabalho deles tem validade. Eles isolaram o vírus, seqüenciaram ["soletraram"] o material genético dele", diz Benedito Antonio Lopes da Fonseca, chefe do Laboratório de Virologia Molecular da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto. "E não é uma coisa [a chegada da dengue tipo 4] que me surpreenda. Já havia sido identificada em Roraima, nos anos 1980, e com as viagens mais intensas e rápidas de hoje a possibilidade de que ela chegue aqui aumenta. O que o ministério pode questionar é a importância epidemiológica disso. Será que a introdução do vírus lá tem a mesma importância de uma virtual introdução no Rio de Janeiro, por exemplo? Chegaria até o Sudeste? Isso a gente não sabe."


"O que eu posso dizer é que os dados [do grupo de Manaus] são sólidos e sairam na melhor revista da área. Com o alto grau de exigência na revisão realizada pelo periódico, acho difícil que um erro desses passasse", avalia o especialista em virologia Maurício Lacerda Nogueira, da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (interior de SP). O pesquisador cita os dados sobre o material genético do vírus -- uma seqüência muito específica de "letras" químicas de RNA, a molécula-irmã do DNA. "Não tem como inventar esses dados. Só se houver fraude intencional -- possibilidade que afasto totalmente nesse caso", diz.

Excesso de calma?

Nogueira vai mais longe: "Tem uma questão fundamental que passou em branco. Se em outubro de 2007 o ministério foi avisado, por que não colocou um alerta para os outros estados? E se a atual epidemia de dengue no Rio fosse de DENV-4?". Vasconcelos, do Instituto Evandro Chagas, diz que um anúncio antecipado e não confirmado resultaria em descrédito e pânico desnecessário. "Outros alertas não-confirmados de DENV-4 já ocorreram no passado", diz o pesquisador, para quem uma possível explicação do suposto erro poderia ser uma contaminação laboratorial.


De um jeito ou de outro, todos terão ampla margem para confirmar ou derrubar os achados do grupo de Manaus. Na nota oficial, o ministério se compromete a reavaliar as amostras antigas e retirar novas amostras dos mesmos pacientes. Além disso, informa também que implantou unidades sentinelas de isolamento viral na região de Manaus.

Fonte: Portal G1


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